Stephen Colbert: CBS encerra The Late Show e abre crise política; Trump comemora

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O anúncio que virou caso político

Uma instituição da TV americana já tem data para acabar. A CBS decidiu encerrar o The Late Show em maio de 2026, quando termina o contrato de Stephen Colbert. O anúncio saiu em 17 de julho de 2025 e encerra uma linhagem que começou em 1993, com David Letterman. Oficialmente, a justificativa é financeira: segundo o presidente da CBS, George Cheeks, a decisão foi tomada “diante de um cenário desafiador no late-night” e “não tem relação com desempenho, conteúdo ou outros assuntos na Paramount”.

A versão corporativa não acalmou ninguém. Três dias antes, Colbert tinha criticado no ar um acordo de US$ 16 milhões entre a Paramount (dona da CBS) e Donald Trump, chamando o pagamento de “um suborno gordo”. A sequência — crítica pública na segunda, cancelamento anunciado na quinta — deu combustível a uma disputa que saiu do estúdio e foi parar em Washington.

A senadora Elizabeth Warren cobrou explicações em nota dura: “A CBS cancelou o programa três dias depois de Colbert questionar o acordo da Paramount com Trump — um acordo que parece suborno. O país precisa saber se houve motivação política.” O deputado Adam Schiff, que esteve no programa no dia do anúncio, enviou carta à Comissão Federal de Comunicações (FCC) perguntando se a agência teve qualquer papel — direto ou indireto — na decisão, em meio ao processo de fusão da Paramount com a Skydance.

Do outro lado, aliados de Trump dizem que ele ficou satisfeito com a notícia. O ex-presidente já havia pedido publicamente o fim do contrato de Colbert em outras ocasiões, e sua base não escondeu a comemoração nas redes. Nos bastidores de Hollywood, a reação foi de choque. A Hollywood Reporter descreveu o clima entre comediantes e políticos como “de espanto e repulsa”. A Writers Guild of America (WGA), sindicato dos roteiristas, pediu que a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, investigue as circunstâncias do anúncio.

Para completar a pressão, senadores como Bernie Sanders e Ron Wyden questionaram a Skydance, que respondeu não ter tido participação na decisão de encerrar o The Late Show. É um detalhe importante: a fusão bilionária entre Paramount e Skydance precisa de uma série de aprovações regulatórias, e qualquer ruído político vira risco de atraso. Enquanto isso, a cultura pop já incorporou o episódio: South Park fez referência direta à polêmica — sinal de que o tema saiu do nicho da mídia e entrou no radar do público geral.

Em meio à fumaça, há fatos práticos. Colbert está no posto desde 2015 e, por anos, liderou a faixa em audiência total. O programa se firmou como um dos principais redutos de humor político da TV aberta — especialmente na era Trump — e virou máquina de clipes no YouTube e nas redes. Ainda assim, manter um talk show diário em um teatro icônico como o Ed Sullivan, com banda, convidados, equipe grande e produção ao vivo, custa caro. É exatamente aí que a CBS busca encaixar sua explicação.

  • 14 de julho de 2025: Colbert critica no ar o acordo de US$ 16 milhões entre Paramount e Trump.
  • 17 de julho de 2025: CBS anuncia que o The Late Show termina em maio de 2026, no fim do contrato do apresentador.
  • Semanes seguintes: pressão de congressistas, carta à FCC, WGA pede investigação à procuradoria de NY; Skydance nega envolvimento.

O que está em jogo para a TV aberta e para a comédia

O caso Colbert escancara uma conta que não fecha há tempos no late-night. A audiência da TV linear encolheu, o consumo migrou para streaming e redes, e o dinheiro publicitário corre atrás desse público. As emissoras passaram a depender de clipes virais, que ajudam na relevância, mas não sustentam os custos de um programa diário do tamanho do The Late Show. No papel, dizer “é só finanças” faz sentido. Na prática, quando o corte atinge a figura mais politicamente ativa do horário, o debate fica impossível de separar.

Para a Paramount, que tenta fechar a fusão com a Skydance e ainda administra licenciamentos, canais a cabo e streaming, qualquer ruído político cria risco regulatório. Mudanças no controle de empresas com estações de TV precisam de sinal verde de órgãos como a FCC. Mesmo que a FCC não faça juízo sobre conteúdo, congressistas sabem que questionar o ambiente em que decisões são tomadas pode atrasar cronogramas — e isso dói no preço das ações.

O sindicato dos roteiristas entrou no jogo por um motivo simples: o late-night emprega centenas de profissionais e funciona como porta de entrada para novos comediantes. O setor já foi golpeado pela greve de 2023, que paralisou programas por meses. Mais demissões em 2026 ameaçam uma cadeia que vai de humoristas e redatores a produtores, equipes de palco e músicos. A leitura da WGA é que, se houver indício de retaliação política, o precedente seria tóxico para toda a indústria.

Há ainda a dimensão cultural. Programas como o The Late Show, The Tonight Show e Jimmy Kimmel Live moldaram a conversa pública por décadas. Hoje, o “monólogo da noite” vira clipe em cinco minutos e disputa atenção com criadores independentes no TikTok e no YouTube. Isso mudou a lógica das salas de roteiro: piadas precisam nascer prontas para o feed, entrevistas têm que render trechos destacáveis e quadros são pensados para patrocinadores que exigem medição digital. O formato clássico, diário e caro, luta para se pagar.

Na CBS, o xadrez é duro. O fim em maio de 2026 dá tempo para negociar substitutos, repensar o horário ou até reduzir dias de produção. A emissora pode testar um formato híbrido (menos episódios ao vivo, mais especiais), apostar em um apresentador rotativo ou migrar parte da produção para um modelo com custo mais baixo. Outra possibilidade é focar em marcas que performam melhor como clipes, com menos dependência do palco tradicional do Ed Sullivan Theater.

Para o público, o impacto é emocional. O The Late Show ajudou a definir a conversa política americana, especialmente a partir de 2016. Colbert, que saiu do Comedy Central com reputação de sátira afiada, transformou o programa em trincheira contra Trump e contra o negacionismo. Isso fidelizou uma audiência engajada — e também atraiu antipatia ferrenha do outro lado. Por isso o timing do anúncio importa tanto: mesmo que a razão seja estritamente financeira, parece punição.

Do ponto de vista legal, há perguntas úteis: quem participou da decisão? Que estudos de custo foram usados? Houve avaliação de alternativas mais baratas? A direção jurídica aprovou o anúncio três dias depois da crítica ao acordo com Trump? Havia obrigação contratual de comunicar até determinada data? Respostas claras reduziriam suspeitas e dariam segurança a funcionários e investidores.

O episódio também funciona como termômetro do mercado. Se o programa mais influente da faixa pode acabar por “ajuste de planilha”, outros shows ficam vulneráveis. Ainda que redes como NBC e ABC mantenham seus talk shows, o padrão já mudou: quadros mais curtos, maior dependência de viralização e parcerias comerciais desenhadas para multiplataforma. O late-night sobrevive, mas não do mesmo jeito que conhecemos.

Por fim, há o cálculo político. Para republicanos, a queda de um crítico feroz de Trump é motivo de festa. Para democratas, o caso vira alerta sobre concentração de mídia e influência empresarial na conversa pública. Entre uma leitura e outra, a verdade incômoda é que a economia da TV aberta deixou pouca margem para tradições. E, no meio do turbilhão, o The Late Show caminha para sua despedida — justo quando o palco parecia mais barulhento do que nunca.